sexta-feira, 5 de agosto de 2011

O mensageiro

Nove horas e meia da manhã. Acabou o sono da Ana.Toca a levantar e entrar no mundo das rotinas. Pequeno-almoço, de seguida o banho, vestir e ver o e-mail. Entrou na sala de estar, ligou o computador e a música. A Ana não vivia sem música. A primeira actividade que fazia no seu dia a dia era abrir a caixa do correio electrónico e ficar a ver cada mensagem com muito cuidado, sempre na expectativa de ser chamada para uma entrevista  de emprego.

Nada de emprego, para variar. No meio de tanto lixo que recebia de amigos, estranhos e publicidade, estava uma mensagem enigmática que lhe chamou a atenção e arriscou abri-la para ver o conteúdo. A mensagem era a seguinte: «Hoje vais receber em tua casa uma visita muito importante, não deixes de a atender». A Ana ficou a matutar em tão lacónica informação. Será que está aqui a solução? Será uma oportunidade de trabalho? Coisa estranha! Ficou a pensar no assunto a manhã toda e falava sozinha:
- Um estranho?! Receber um estranho na minha casa? Isso é que era bom! Mas, pensando bem, não preciso de o deixar entrar, posso recebê-lo no portão.

A mensagem não lhe saía da cabeça e lá foi a Ana preparar o seu almoço. Uma salada de verão e fruta. Estava a mesa posta e a Ana a sentar-se à mesa quando tocou a campainha. Por precaução, a Ana foi ver à janela quem era. No portão estava um rapaz novo e bem vestido que lhe mostrava uma encomenda e fazia sinal para lha entregar.
A Ana lembrou-se imediatamente do e-mail e cheia de curiosidade, mas ainda com muito receio, foi ao portão receber o rapaz. Reparou bem na sua roupa, mas não identificou nenhum uniforme que o ligasse a alguma empresa. O rapaz muito simpático disse-lhe que a encomenda era para ela e, sem mais rodeios, perguntou-lhe se podia almoçar com ela pois se assim não fosse não comeria naquele dia. A Ana ficou hipnotizada pela voz do mensageiro e subitamente esquecida de todos os cuidados de segurança, convidou-o a entrar e repartiram a refeição.
Observando-se mutuamente, comeram em silêncio, cada um à espera da deixa do outro. Subitamente o rapaz começou a falar da encomenda. E disse-lhe que dentro daquela caixa vinha um livro. E que só depois dele sair é que ela podia abrir a caixa. E que  teria de ler o livro nesse mesmo dia até à meia noite. E que, se assim não fosse, o livro, evaporar-se-ia. Dito isto, o mensageiro levantou-se, encaminhou-se com passos largos para a porta e saiu.

Ana veio ao portão e seguiu o rapaz com o olhar até ele desaparecer completamente da sua linha de horizonte. Entrou em casa lentamente, perdida nos seus pensamentos e embrenhada em sentimentos contraditórios. Sentou-se no sofá, reclinou-se, de olhos postos na caixa colocada em cima da mesa da sala de estar e assim esteve durante muito tempo.

De repente, como se impulsionada por uma energia estranha, a  Ana, num relâmpago,  abriu a caixa. Tirou o livro, que não tinha nenhuma imagem na capa, isto é, era completamente branco. Abriu-o e na contra-capa dizia:

LIVRO DOS AROMAS

- Que fantochada é esta? Será que vou perder tempo com isto?

Ana fez um gesto de quem ia atirar o livro para longe, mas hesitou, porque sentia cada vez mais curiosidade. Decidiu passar  à página seguinte de onde se soltou um suave aroma. Foi envolvida dos pés à cabeça, pelo misterioso perfume. Folheou outra página e já com todos os sentidos alerta, sentiu o aroma da alfazema. Cada vez mais perplexa, fixou a folha e sentiu um frio pela espinha acima, quando, lentamente, começou a aparecer um poema na página branca.  Compulsivamente, avançou outra folha e desta vez sentiu o cheiro de chocolate quente e logo de seguida apareceu na folha branca, a receita de um exótico bolo de chocolate. Passou mais uma folha e libertou-se o cheiro fresco do alecrim e de seguida apareceu na folha branca  um alegre texto sobre os poderes estimulantes desta planta.

A Ana estava deslumbrada com este livro mágico e achou que valia a pena levá-lo a sério até ao fim. Fascinada, completamente absorta, abriu a quarta folha  e nenhum aroma se libertou,  só apareceu uma pequena frase que dizia:
«Daqui para a frente és tu que tens de pensar nos aromas que queres sentir.»
Espicaçada pelo desafio, Ana estava a achar o jogo muito divertido e enquanto virava a página pensou no cheiro do café e logo exalou da folha branca o forte aroma do café arábica acabado de moer que se espalhou pela sala. E,  como ela esperava, apareceu na folha branca a receita de um refrescante gelado de café.
Completamente seduzida, imediatamente  pensou no perfume das rosas de Alexandria e, ao virar a página, floresceu na folha branca  um romântico poema de amor.

Vários foram os aromas escolhidos pela Ana e, na folha em branco, sempre aparecia um pequenino conto, um delicado poema ou uma deliciosa receita.

A Ana já estava a ficar sem imaginação para evocar mais cheiros, fechou o livro e foi para a net enviar mais CVs para ver se arranjava emprego, porque não era de aromas que ia encher a barriga.

Chegou a hora do jantar e a Ana levou o livro para a cozinha com a intenção de o continuar a ler enquanto preparava a refeição. Nessa noite decidiu comer peixe grelhado. Enquanto o peixe grelhava, a Ana foi buscar o livro que tinha pousado em cima da mesa mas, sem saber como, o livro tinha desaparecido. Intrigada, percorreu todo  o espaço com o olhar e debaixo da mesa,  lá estava o seu bichano, todo consolado, a lamber os bigodes, com o ar de quem tinha comido a refeição mais saborosa deste mundo.

 M, 5 de Agosto, 2011

6 comentários:

  1. Talvez o melhor texto dos que li neste blogue.

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  2. Olá José Luiz

    Muito obrigada pelo comentário.
    Espero que continue a ler os meus pequenos
    contos que escrevo com muita paixão para os
    leitores

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  3. Gostava de ter um livro mágico como este, mas tenho a certeza que a Becas gostaria ainda mais...
    Beij.

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  4. Cara M,

    Gostei muito!
    Bjs,r

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  5. Mais uma deliciosa história de M, cheia de magia.
    E, já agora, onde se encontra o gato?
    Deve valer uma fortuna, com tanta magia dentro.

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  6. Olá Anónimo r.

    Obrigada.
    Vou escrevendo porque gostam das histórias.

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