O LIVRO
Naquele quente dia de verão a Inês sentou-se debaixo
da sua árvore favorita do jardim para ler.
Sentia-se confortável à sombra mas não estava muito
concentrada no que lia. Distraía-se por tudo e por nada. A leve brisa que
agitava a árvore lá no fundo, as formigas que passavam em carreiro a rasar os
seus pés,
os pássaros a cantar, enfim, tudo servia para a
distrair.
No fim do primeiro capítulo fez uma pausa para se
refrescar. Bebeu uma limonada e regressou ao sítio da leitura. Pegou no livro mas
já não se lembrava muito bem do que tinha lido e voltou umas páginas atrás.
As palavras não estavam lá. As páginas que tinha lido
estavam em branco. O que leu desapareceu como se os seus olhos tivessem apagado
as palavras.
Olhou dezenas de vezes para a capa. O livro era o
mesmo, aquele que ela tinha pegado ao acaso da estante.
Ainda que muito intrigada resolveu continuar a ler.
Fez um esforço para se concentrar e agarrar a história.
Uma hora depois, pousou o livro na cadeira e foi
esticar as pernas numa breve caminhada. Voltou muito curiosa para ver se todas as
palavras lidas tinham sido comidas sabe-se lá por quem.
Abriu o livro e viu que todas as folhas lidas
esbranquiçaram, nem uma letra, nem ponto, nem vírgula.
Ler o livro até ao fim passou a ser o seu único
objectivo. Tinha de terminar de o ler o mais rápido possível para descobrir se
o livro se iria transformar no livro branco.
No dia seguinte quando leu a última palavra sentiu um
baque no coração, não pela história em si mas pelo quão misterioso era aquele
livro que tinha deixado fugir as palavras.
Inês pousou o livro na cadeira e foi dar um breve
passeio pelo jardim.
Quando voltou sentou-se, fechou os olhos e reclinou-se
para trás. Minutos depois abriu os olhos lentamente e viu as palavras do livro
penduradas nos ramos da árvore.
As páginas do livro estavam todas brancas.
As palavras penduradas e a árvore estavam felizes como
nunca. Dançavam ao sabor do vento. Brilhavam com a luz do sol.
Já não estavam encarceradas e apertadinhas entre as
folha de um livro dependentes da vontade de um leitor.
Agora eram livres e continuavam a ser palavras.
Quem sabe, um dia, voltariam ao seu livro.
M.
www.bebebabel.com.pt