quinta-feira, 29 de novembro de 2012


MARIA ROUPINHA

Sete saias. Nada mais, nada menos, sete saias uma para cada dia da semana.
Assim anda vestida a Maria Roupinha.

Ninguém consegue adivinhar a sua idade. Nos dias de sol parece ter menos idade. Nos dias de chuva parece ter mais anos de vida. Quando o mar está cão, quem olha para ela parece que está na frente de uma doce avozinha.
Quem lhe pergunta a idade fica a saber o mesmo porque Maria Roupinha não sabe quando nasceu. Sabe que a sua mãe a pariu no mar, no chão da traineira e isso basta.

Os seus olhos são todo o mar. Tem ondas nos cabelos e andar de sereia.

Passeia pela cidade como se andasse sobre as ondas. Fala com este e aquele.
Fala com os pescadores quando pela aurora regressam da faina. Fala com os peixes que ainda moribundos lhe trazem novidades do mar. 

É uma mulher só.

A Nazaré tem a Maria Roupinha que por batismo se chama Maria da Nazaré mas que por ironia do destino todos lhe chamam Maria Roupinha.
Diz-se que Maria Roupinha ainda namora com D. Fuas Roupinho,  nobre cavaleiro que um dia andava à caça e se não fosse Maria da Nazaré teria caído ao mar do alto da falésia.

Maria Roupinha ainda hoje veste a saia onde o cavalo tropeçou e deixou
a marca da sua pata.

Também se diz que quando a onda mestra aparece quem anda a sarfar
vê Maria Roupinha dentro da onda do mar.

M.
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terça-feira, 13 de novembro de 2012





NÃO HÁ COINCIDÊNCIAS

Rafael gostava por demais daquela esplanada. Tudo caía ali, a comida no prato, mulheres bonitas que até tinham abraçado a mesma profissão que ele, mas com uma diferença, ele era jornalista sem jornal, trabalhava à tarefa.

Rafael conhecia alguns dos frequentadores do Cai no Prato e isso era bom, porque volta e meia lá caía um trabalhito que alguém não tinha tempo para fazer. Enquanto os outros saíam depois do almoço, Rafael prolongava a sua estadia pela tarde dentro. Gostava de olhar o rio e contemplar a outra margem.

Nesse dia, um dia cheio de sol, reparou que o indivíduo que estava na mesa da ponta, sem óculos de sol nem chapéu, também permanecia sentado e estranhamente não lia nenhum jornal nem tirava fotografias, parecia um ser apático.

Depois de ter relaxado um bom bocado, Rafael decidiu que já eram horas de ir escrever qualquer coisa para o seu recente trabalho e levantou-se em direção a casa. Poucos passos ainda o separavam do Cai no Prato quando o ser apático da esplanada se colocou ao seu lado e começou a meter conversa.

- Sei que vives com algumas dificuldades e aqui estou para te ajudar. (Disse o ser estranho).

- Oh amigo! As ajudas não caem assim do céu sem mais nem para quê! Se me quer vender alguma coisa desista, não perca o seu tempo, que eu estou falido.

- Chamo-me Gabriel e tenho um trabalho para te oferecer.

Rafael, abrandou o passo e olhou para o homem que de repente lhe pareceu um dos professores do curso de jornalismo. Parou no passeio e com um ar muito incrédulo disse:
 - Diz lá Gabriel qual é o trabalho que tens para mim.

- Não é bem um trabalho é mais um contrato que quero fazer contigo. Eu dou-te notícias em primeira-mão ou melhor, digo-te antecipadamente o que vai acontecer, percebes?

- Não, não percebo! Disse Rafael.

- Digo-te, em primeira-mão, que amanhã por volta das 15h00 vai cair um pescador no rio junto ao Cai no Prato.

- Ai sim? Vou esperar para ver! E já agora diz lá em que é que isso me ajuda?

- Amanhã encontramo-nos no mesmo sítio. Até amanhã e bons sonhos.  (Disse o homem estranho que se chama Gabriel).

Rafael já tinha almoçado. Ia levantar-se para se ir embora quando de repente se lembrou da conversa da véspera. Olhou para o relógio e faltavam sete minutos para as três horas da tarde. A curiosidade fez com que se deixasse ficar mais um pouco. Minutos depois, sentiu uma mão a pousar no seu ombro direito. Olhou. Era o Gabriel. Tão depressa olhou como ouviu um grito vindo do rio, socorro! Socorro! Socorro!
O pescador de um dos barcos de pesca à lampreia tinha acabado de cair.

Rafael ficou atónito e nos minutos seguintes um enorme medo apoderou-se da sua mente.

Gabriel afastou-se.

Rafael seguiu-o e em silencio caminharam até ao fim do cais.

- Já te demonstrei os meus poderes e se queres ser famoso vais publicar no jornal uma notícia em primeira-mão, disse Gabriel.

- Venha lá essa notícia, disse Rafael.

- No próximo dia treze, sexta-feira, vai chover em tudo quanto é sítio e à mesma hora no planeta terra
- Mesmo no deserto? Perguntou Rafael.

Até em todos os desertos à face da terra, respondeu Gabriel.

No sábado seguinte ao dia treze as televisões de todo o mundo noticiavam que tinha chovido em todo o planeta terra à mesma hora. Não havia memória de tal ter acontecido. O mundo estava estupefacto e o mais incrível é que o jornal de uma cidade chamada Caminha, tinha previsto com inigualável exatidão o acontecimento.

Rafael não cabia em si de tão contente que estava. A próxima notícia que vendesse ao jornal já seria muito mais cara.

Cada dia que passava, Rafael estava mais ansioso pela visita de Gabriel. Pensou numa maneira de o encontrar mas isso era impossível porque ele só aparecia quando queria. Uma coisa era certa, o local até aqui, era sempre o mesmo, o restaurante Cai no Prato. Religiosamente Rafael visitava o Cai no Prato todos os dias.

Sete dias depois, Gabriel apareceu no Cai no Prato a seguir ao almoço. Rafael perguntou-lhe onde é que ele morava mas Gabriel respondeu que não era de cá, vinha do além e sem mais explicações disse a Rafael que no primeiro dia do Outono o planeta terra ia ter um apagão global. Durante um minuto a terra ia ficar sem qualquer tipo de energia. Tudo o que é movido com energia elétrica vai parar. A hora determinada para o apagão será ao crepúsculo, hora local.

Na véspera desse dia o jornal da Cidade de Caminha publicou a notícia.

As repercussões foram bombásticas. A cidade de Caminha, o jornal e o jornalista já eram conhecidos mundialmente. O mundo questionava tais acontecimentos estranhos e paranormais.


Já fazia frio e mesmo em dias de muita chuva Rafael não deixava de ir ao Cai no Prato. No dia sete de Dezembro Gabriel fez a sua última aparição.

- Rafael, vais dizer ao mundo que no dia doze de Dezembro de dois mil e doze todo o ser humano que estiver acordado e a dormir vai ter a sua vida suspensa durante escassos sete segundos.
Rafael não queria acreditar no que estava a ouvir e tentou fazer mais perguntas a Gabriel mas este saiu do Cai no Prato e atravessou a rua. Nesse instante passou um autocarro e quando Rafael correu para o apanhar, já ele tinha desaparecido sem deixar rasto.

A notícia saiu no dia doze. O jornal esgotou logo pela manhã e o
Portal do jornal da Cidade de Caminha disponível na Internet bloqueou de tantas visitas.

Não havia como fugir ao acontecimento. Gabriel não desvendou a hora com receio de gerar um pânico global mas ele sabia que quem acreditava na profecia não sentiria medo algum.

No dia seguinte a notícia mais uma vez correu mundo. Todos os jornalistas saíram para a rua para entrevistar as pessoas. Estavam cheios de curiosidade para ouvirem os relatos sobre a experiência vivida por cada um.
Será que todos tinham passado pela mesma experiência?

Todos os seres humanos, mas todos, estavam mudados, só conseguiam dizer aos jornalistas que pelo que viveram naqueles segundos não queriam mais guerra à face da terra!

M.
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segunda-feira, 18 de junho de 2012





A VARANDA

Amaro zangou-se com os amigos e por isso já não passava as tardes a jogar cartas debaixo da frondosa tília do jardim. Contar pontos e dar as cartas, era coisa que lhe fazia lembrar o emprego que teve como caixa no banco, a contar notas e a distribuir dinheiro, coisa que nunca lhe deu grande entusiasmo.

Andou uns dias desorientado, sem saber bem o que fazer, até que se sentou na cadeira da sua varanda do segundo esquerdo na Praça da Liberdade. Olhava para os prédios, olhava para os carros, olhava para as pessoas, olhava para as pedras da rua à procura de uma ideia. Levantava a cabeça, olhava para a nesga do céu e nada. Seguia os pássaros e nada. Ficou assim alguns dias, melancólico, até que o seu entusiasmo esmoreceu e já não procurava nada, só olhava para o chão. A movimentada paragem de autocarros que estava debaixo da sua varanda deu-lhe a ideia! Ali não se corria, parava-se e esperava-se. Uma espera em trânsito para outro lugar, um emprego, a casa, um encontro, uma viagem, quem sabe? Assim como na pesca, não se corre, fica-se parado no mesmo sítio, horas a fio, a olhar o pensamento.

Amaro, comprou uma cana de pesca. Sentia-se feliz porque ia realizar o seu antigo sonho de menino. Arrumou a cana na varanda e como chovia, sentou-se. Choveu no dia seguinte. O tempo não ajudava e Amaro não pescava.

 Resolveu experimentar a cana mesmo ali, na varanda. Lançou a linha. Para seu grande espanto e admiração quando puxou vinha peixe no anzol! Amaro, olhou e viu um beijo muito molhado que ainda pingava. Tirou o beijo do anzol e guardou-o no cesto de pesca. Curioso, voltou a lançar a cana. Puxou e agarrado ao anzol vinha um angustiado suspiro. Colocou o suspiro junto do beijo molhado. Lançou a cana. Não era preciso esperar muito para sentir o peso da pescaria. Desta vez vinha mais pesada. No anzol vinha uma conversa. Amaro, com muito jeitinho lá tirou a conversa e ficou deliciado a ouvir aquelas promessas de amor, entre dois namorados. Melhor que peixe! Que divertido que é! Amanhã, vou levantar-me mais cedo, para ver se a pescaria matinal é mais divertida, pensou o Amaro.

Manhã cedo lá estava ele de cana em punho na sua varanda. Pescou muito sono, algumas preocupações, angústias, mau humor, atrasos e muitas outras coisas de que não gostou. Pescar só à tarde pensou o Amaro, porque de manhã o peixe anda a dormir ou muito mal disposto.

Depois do almoço lá estava o Amaro na pesca. Lançou a linha e veio um goraz de pinta. Olá, um peixe, exclamou! Este não vai para o cesto, vai para a barriga do Félix. Lançou a cana mais uma vez. Veio um sonho acordado do rapaz que queria namorar a linda miúda que viaja no mesmo autocarro. Repetiu o gesto, mais uma vez, e no anzol veio um abraço muito rechonchudo. Lançou mais uma vez a cana e veio um capachinho. Caramba, descobri a careca de alguém, mas que chatice. Isto não vai para o cesto! Rapidamente tirou o peixe do anzol e devolveu-o logo ali como quem não quer a coisa, à espera que o vento levasse o capachinho para o sítio certo. Parou. O mar já não dava coisa de jeito. Amanhã será melhor, pensou o Amaro.

Amaro, pescou dias a fio e o cesto do peixe estava cheio a transbordar de emoções, de bons e maus sentimentos, de aflições, de sonhos, de amores, de encontros e desencontros, enfim, de tudo o que aflige e de tudo o que faz feliz o ser humano. O destino de tudo aquilo só podia ser um. Amaro, meteu os pés ao caminho e deitou tudo o que levava no cesto ao mar.

Meses depois, aquela paragem de autocarro debaixo da sua varanda era notícia que corria de boca em boca. As pessoas começaram a falar umas com as outras e comentavam à boca cheia, que os seus problemas, dilemas,  aflições e tudo o mais que as preocupavam desapareciam por artes mágicas.
A felicidade pairava no ar e o autocarro andava sempre a abarrotar de gente.

M.
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sexta-feira, 18 de maio de 2012

A VIAGEM AO DESERTO





Maria Miguel recolheu-se no seu quarto. Sentia uma enorme responsabilidade pela apresentação que ia fazer no dia seguinte na Gulbenkian. Tinha altas expectativas para aquela conferência onde ia apresentar um dos seus recentes trabalhos. Descansar era muito importante para estar em forma e por isso declinou o convite da malta para ir beber uns copos num dos bares das docas.

Para relaxar um pouco antes da sua palestra decidiu que ia dar um passeio nos jardins da Gulbenkian.

A sua intervenção foi um sucesso e o seu ego ficou nos píncaros da lua com tantos aplausos dos seus colegas cientistas que tinham vindo de toda a parte do mundo. Divertiu-se imenso naquele cocktail após a conferência. Aquele era o seu mundo, o seu ambiente, a sua gente. Ouviu as anedotas mais picantes e algumas histórias bem divertidas.

O próximo destino daquele fim-de-semana era a casa dos pais em Cascais com quem já não estava desde as últimas férias de verão.

Maria Miguel entrou na Linha de Cascais a ouvir música clássica como nos velhos tempos. Aquela viagem era sempre muito agradável, mas, aquela em particular, tinha um não sei que de especial. Escolheu um CD de Gustav Mahler que combinava tão bem com aquele por de sol e o cheiro intenso do mar que lhe entrava pelas narinas e lhe inundava o cérebro. Já perto de casa dos pais sentiu um arrepio de frio e uma sensação muito estranha que não conseguiu entender. Entrou na garagem do condomínio fechado e mal abriu a porta do carro para sair já estava a ser agarrada por um corpulento homem que lhe encostou um lenço ao nariz e a fez desmaiar.

Quando acordou, Maria Miguel estava num enorme iate, no Mar da Palha, a caminho do alto mar. Ao seu lado estava um homem moreno que amavelmente lhe explicou em língua inglesa que nada de mal lhe ia acontecer. Disse-lhe ainda que no mar alto mudaria do iate para um barco com heliporto. Um helicóptero ia transportá-la até ao deserto de An Nafud na Arábia Saudita.
Maria Miguel, num ataque de pânico, berrou com quantas forças tinha mas rapidamente percebeu que no alto mar não havia ninguém que a ouvisse e muito menos viesse em seu auxílio. Num relâmpago pensou atirar-se ao mar mas também não resolvia nada com isso. Respirou fundo e decidiu que qualquer hipótese de fuga tinha de ser adiada, porque nunca poderia ser bem sucedida. Pensou um pouco e a atitude mais inteligente era tentar fazer diálogo com o seu sequestrador para sacar alguma informação sobre tão enigmático rapto.
O homem moreno disse-lhe que trabalhava para uma organização secreta da qual nem ele sabia o nome nem quem estava por trás. Tinha ouvido um comentário acerca do interesse que eles tinham no trabalho secreto que ela estava a desenvolver no MIT. Também lhe adiantou que a sua missão acabava quando ela estivesse dentro da tenda que se encontrava  no deserto.

A família de Maria Miguel vivia o maior drama das suas vidas. A polícia tinha sido alertada para o desaparecimento da sua única filha. O inspector Seruca Andrade desdobrava-se em contactos para deslindar este misterioso desaparecimento. A mãe de Maria Miguel, lembrou-se de contactar o director do MIT e mal teve este pensamento correu para o telefone. O toque inesperado às três da madrugada fez com que o Dr. Badwather atendesse com uma voz agressiva. Rapidamente mudou de registo quando a mãe de Maria Miguel no meio de um choro descontrolado lhe disse que a sua filha tinha desaparecido quando estava a caminho de casa. O Dr. Badwather conseguiu tranquiliza-la um pouco. Uma hora depois o telefone da família de Maria Miguel tocou. Atendeu o pai. Era o Dr. Badwather com notícias. Pouco adiantou, mas foi o suficiente para desanuviar o tenso clima que se vivia naquela casa onde ninguém dormiu.
Maria Miguel tinha-se evaporado. Ninguém conseguia perceber como é que o carro alugado estava estacionado na garagem do prédio, aberto, com a sua carteira e o telemóvel no banco da frente!

Maria Miguel já estava nas mãos de quem tinha encomendado o rapto. Todo aquele ambiente era muito estranho para ela e a sua estabilidade emocional, a lucidez e a aparente calma estavam por um fio. Decidiu que a atitude mais inteligente era manter o sangue frio para registar todos os pormenores dos intervenientes presentes, as suas feições, os seus gestos, os movimentos e tudo o que se estava a passar naquela tenda, já que não sabia uma palavra de árabe.

Sensivelmente uma hora depois de ter entrado naquela tenda, foi obrigada a mudar de roupa e vestir o traje dos beduínos. Pela primeira vez na sua vida estava sentada num camelo muito mal cheiroso. Aquele calor do deserto queimava a sua delicada pele mesmo estando já o crepúsculo a aparecer. O desconforto da viagem estava quase a dar com Maria Miguel em doida.

De repente um clarão aparece no céu. Um objecto estranho parecido com uma aranha gigante pousa nas areias do deserto. De dentro saem sete homens ou robots vestidos de prata que levam Maria Miguel para dentro da nave.

Sete minutos depois tocou o telefone na casa dos pais de Maria Miguel em Cascais. Atendeu o pai que recebeu a feliz notícia. A sua filha já estava a caminho de Bóston.

Maria Miguel, abriu os olhos. Estava deitada no sofá do escritório da casa do Dr. Badwather. Olhou-o perplexa e perguntou-lhe:
-Presumo que me deve uma explicação! Como é que me conseguiu descobrir?

Muito simples minha cara Miguel. Por segurança e porque você sabe coisas que a tornaram demasiado importante, o seu corpo guarda um olho mágico que não a deixa fugir para lado nenhum.

Maria Miguel agarrou no telefone e marcou o número da casa dos pais.

M.
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segunda-feira, 9 de abril de 2012

A CURA DO TIO lUÍS

Eram todos irmãos mas só pela parte da mãe. Cada um tinha um pai diferente. Um ti grado cinzento e douradinho de olhos verdes, outro todo preto como a mãe, outro loiro de olhos azuis, outro tricolor branco preto e amarelo, ou melhor outra porque os tricolores são sempre fêmeas e por último a tartaruga de olhos dourados.
Ninguém os viu nascer porque a astuta mamã fez o ninho num sítio bem escondido lá no fundo do quintal. Escaparam todos e com sete semanas de vida lá começaram eles a aparecer, todos alinhadinhos, atrás da dedicada mamã. Foi assim que se deram a conhecer na entrada da cozinha do tio Luís.
O tio Luís nunca tinha visto a mãe gata pelas redondezas e ficou muito danado pela ousadia de vir ter os bichanos no seu quintal.
Ora esta, o que me está a acontecer! Andou assim todo o dia a pensar no que havia de fazer para se livrar de tanta bicharada. Deitou-se a pensar no assunto mas não lhe vinha nenhuma ideia à cabeça já cansada de tantos problemas.
Na manhã seguinte lá estavam eles todos de roda da gata mãe a aprender as coisas da vida.
O tio Luís até se levantou mais cedo e veio tomar o pequeno-almoço no quintal. Ficou como que enfeitiçado a olhar para os bichanos e para sua grande surpresa, a mãe gata era uma doçura. Veio ter com ele e como que a pedir cama e comida para a sua prol, roçou nas pernas do tio Luís e fez o miau mais ternurento que sabia. O coração tio Luís começou a amolecer.

 A dada atura, uma vozinha chamava, Luís, Luís.

 Olhou ao redor e viu a Mafalda a espreitar no muro. O tio Luís aproximou-se e deu a novidade à Mafalda, que já não era bem novidade, porque ela já tinha percebido que andavam gatos por ali. Os olhos da Mafalda brilhavam de tão contente que estava. A Mafalda passou a visitar o Luís todos os dias só para ver os gatinhos.

 Poucas semanas depois, e quando menos esperava, o Luís já estava rendido ao encanto das brincadeiras e travessuras daqueles pequenotes que até já tentavam trepar às arvores e brincavam com tudo o que mexia.
Começou a sair mais de casa e a sentar-se no quintal. Pela primeira vez, depois da recente morte da sua querida companheira, se sentia feliz. Esperava ansioso pela hora da vinda da Mafalda do infantário para lhe abrir o portão para a visita diária. Ele sabia que ela só vinha pelos gatos mas o que importava é que tinha ganho uma amiguinha.
O coração do tio Luís andava mais contente porque nunca tinha tido nenhum bicho em casa, nem bicho peludo nem bicho de penas, porque a falecida nunca deixou.
 Com muito carinho e algum sacrifício lá comprou um ninho de gato e deixou a sua nova família dormir dentro da cozinha.

Quando foi à consulta, o médico ficou muito admirado com as melhoras do tio Luís que já não andava tão tristonho e deprimido.

Moral da história: O remédio nem sempre vem da farmácia.

M.
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quarta-feira, 21 de março de 2012

POEMA LOLIPOP

Vou fazer um poema multicolor
Tuti-fruti, lolipop, muito rock
Com sabor a baunilha e morango
Doce e sensual como um tango.


Vermelho, amarelo, verde
Azul, lilás, índigo
E tudo o mais que não digo.


Magenta, dourado ou rosa choque
Quero todas as cores fortes
Carregadas de emoções
Quero as rosas do vermelho do meu sangue
As brancas camélias da minha alma
O castanho do meu olhar
Para num papel âmbar embrulhar.


M

SER POETA

Ser poeta é ser atleta
Sem ginásio nem trampolim
É jogar com as palavras 
Saltar com as ideias
Brincar com os sentidos.


Transformar o espectador em leitor
Desafiar as alturas
Ginasticar as tonturas
De quem adormeceu
E um poema nunca leu

M.
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terça-feira, 20 de março de 2012

UM LUGAR NA TERRA

Havia um lugar na terra onde ainda não tinha chovido no Inverno. Naquele Inverno o Sol não se cansava de brilhar. Estava todos os dias lá, no céu, exuberante de manhã à noite. Tão quente que não deixava cair uma gota de água naquela terra ressequida, fustigada pelo vento e pela geada negra. O chão que costumava estar mais verde começou a amarelar.
Os animais andavam tristes porque não tinham aquela erva viçosa e gostosa para comer. Comiam palha amarela, feno amarelo e milho amarelo. Estava tudo mais amarelo e o verde quase tinha desaparecido não fosse as árvores ainda lá estarem.
Já se dizia que o céu andava tão contente que se tinha esquecido de chorar. Então os homens da terra pensaram em chorar todos ao mesmo tempo, mas perceberam, que por muito que chorassem a água que cairia na terra nunca seria bastante. A única maneira de molhar a terra era fazer com que o sol se escondesse, as nuvens viessem, chorassem muitas lágrimas de tristeza que, para a terra, os animais e os homens seria a maior das alegrias. 
Os homens falaram com os rios, os mares e as fontes e pediram ao arco-íris para ir lá beber tanta água quanta ele pudesse. O arco-íris andava tão feliz e distraído que estava seco como a terra porque só costumava trabalhar nos dias em que chovia e aparecia uma réstia de sol.
Os homens da terra reuniam-se para pensar no que deviam ou não deviam fazer para chover. Então, no meio da multidão, surgiu uma voz de criança que disse que se os homens contassem uma história muito triste ao céu, de certeza que ele ia chorar. Nessa noite, cada homem da terra contou ao céu a história mais triste da sua vida. Muitas das histórias tristes contadas ao céu eram histórias de sofrimento da terra, das plantas e dos animais. Talvez por isso, na altura em que os homens se recolheram nas suas casas começaram logo a cair as primeiras lágrimas do céu. De madrugada, o sol estava todo escondido atrás da tristeza do céu. As muitas nuvens cinzentas, que de tão tristes que estavam, deixaram cair tanta água que a terra fumegava de tão contente.
 Nesse dia quem se levantou cedo viu a dança da chuva que trazia vida dentro de cada gota de água.

M.
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sábado, 18 de fevereiro de 2012

A QUINTA DO MATA SETE

A Maria correu para o telefone a gritar, é o avô, é o avô que me está a ligar. E atendeu numa euforia. Era o avô Eduardo que tinha chegado ao Porto. Combinaram uma saída para o seu primeiro dia de férias da Páscoa. Nessa noite, a Maria dormiu a correr para chegar ao dia seguinte.



Conforme combinado o avô foi buscá-la e, como de costume, o destino só foi desvendado pelo caminho, mas naquela viagem a Maria já sabia onde ia pela direcção que o avô Eduardo levava. Adorava ir à quinta do Mata Sete. Mal chegou encontrou logo o seu amigo de quatro patas a quem ela chamava de Fanico e que se roçou nas suas pernas e miou de contente. A Maria sentou-se na relva a fez-lhe uma festa ao longo do seu dorso dourado. O Fanico começou logo a contar à Maria as últimas novidades da quinta. Sabes, Dali, o espantalho pintor, tem feito muitas tropelias na quinta. Imagina tu que no outro dia resolveu pintar o céu de verde e o chão de azul. Foi um ai Jesus nos acuda logo pela manhã. As ovelhas quando acordaram e foram pastar não encontraram relva. Olharam para o céu que estava verde e deitaram-se de costas para comer. Mas, nada! A erva estava tão longe que por mais que se esticassem não chegavam lá. Até que foi giro ver as ovelhinhas de patas para o ar a fazer mé, mé, mééé…O berreiro era tal que o Alberto teve de as vir socorrer.



Mas tem mais…



Na semana seguinte, o Dali resolveu pintar os arbustos e o lago com tinta branca. Outra grande confusão na quinta do Mata Sete. O burro, o cão, a vaca e o carneiro pensaram que tinha nevado e foram todos contentes brincar com a neve, mas a tinta estalou e eles quase se afogaram.



Mas ainda tenho mais novidades Maria.



Estás a ver ali aquela árvore muito grande? Pois o Dali, no tronco da árvore pintou uma loja de guloseimas e chocolates com a porta aberta. Claro que os espantalhos da horta foram a correr para comer os chocolates e os doces mas esbarravam no tronco e caíam desmaiados no chão!



Depois desta confusão, veio o feitor da quinta, o Alberto, que teve de levar o Dali para a cave da casa cor-de-rosa onde ficou fechado a sete chaves com umas grandes latas de tinta de várias cores para pintar as paredes todas e os tectos.



Ai como tu te deves ter divertido Fanico, disse a Maria. Na minha escola não acontece nada assim.

M.
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terça-feira, 31 de janeiro de 2012

ALDEIA MÁGICA

Consta-se que tudo começou quando um casal se perdeu no caminho e que de tão exaustos que estavam, foram bater à porta da primeira casinha branca que viram e pediram guarida.



Por qualquer magia ainda por desvendar, aqueles caminhos labirínticos faziam com que as pessoas se perdessem e fossem parar à aldeia. As árvores apontavam para o sítio certo e havia sempre uma luz mais brilhante a iluminar a estrada a percorrer. Aconteceu com alguns viajantes e todos sentiam algo de mágico. Ninguém ficava indiferente aos bons momentos passados na companhia daquela gente maravilhosa.



A Gabriela e o Martinho também foram os escolhidos para se perderem do caminho que levavam e irem parar à aldeia mágica. Já de noite, foram recebidos por um jovem que lhes descreveu a aldeia, as suas actividades, e lhes deu um mapa com os caminhos temáticos pedonais.



O que pairava no ar, a luz, as cores, os animais em liberdade e aquela gente fez com que o Martinho ficasse mais solto e comunicativo. Já sorria para todas as pessoas e até já demonstrava alguma ternura para com a Gabriela. Destinaram o primeiro dia para fazer o caminho dos sentidos e durante a tarde percorreram aquelas veredas, as terras do lameiro e subiram uma boa parte do monte. Despertaram para tudo o que os seus sentidos conseguiam captar daquela fascinante natureza. Os cheiros, as cores em cambiantes de luz que até parecia que brincava às escondidas com eles, a pele rugosa das árvores, o recorte das folhas, as flores silvestres, o chilrear dos pássaros, o bailar do vento, tudo os encantou.



No dia seguinte percorreram o caminho das emoções. Logo de manhã a Gabriela reparou no brilho dos olhos do Martinho e no seu rosto mais alegre. Caminharam até à lagoa e aí repousaram um pouco. Sentaram-se numa manta e almoçaram o que lhes tinham colocado numa cesta. Do outro lado do lago avistaram uma esquiva raposa que veio saciar a sua sede. A Gabriela ficou fascinada com a cauda tão exuberante e o pelo tão dourado do animal.



Na continuação do percurso e para grande espanto da Gabriela, o Martinho agarrou-lhe na mão e quando entraram na gruta dos morcegos, deu-lhe um abraço muito apertado e um beijo muito sentido. A Gabriela ficou num sino.



No caminho de volta e já perto da aldeia, cruzaram-se com uma velha muito bonita, de cabelo todo branco, um rosto tisnado pelo sol e com os olhos mais azuis que o céu. Os olhos penetrantes da velha olharam de tal forma para a Gabriela que ela sentiu que estava a ser vista por dentro. De imediato, a velha tirou debaixo do seu avental uma caixa de bombons e entregou-lha.



- Leva para tua casa e come com o teu companheiro. Não ofereças a ninguém. São só para vocês, que estão a precisar, disse a velha dos olhos mais azuis que o céu.



Olharam um para o outro e quando a Gabriela ia agradecer à velha senhora já ela tinha desaparecido. Ficaram siderados, paralisados! Em redor, nem uma brisa, nem um ruído, nem um cheiro. Nenhuma pista para entender o que se tinha passado ali.



Em casa, o Martinho já andava mais atencioso com a Gabriela. Nessa noite, abriram a caixa e comeram o primeiro bombom que tinha recheio de Vinho do Porto. Durante o pequeno-almoço, o Martinho comentou com a Gabriela que tinha tido um sonho muito agradável. A Gabriela foi trabalhar muito animada e o seu dia de trabalho até correu melhor.



Depois do jantar do dia seguinte, experimentaram os bombons com recheio de mel, como indicava a caixa. Depois de acordarem, o Martinho comentou com a Gabriela que não sabia o que se estava a passar mas, pela segunda vez tinha tido um sonho muito erótico. A sua cara de malandro denunciava o gozo que aquele sonho lhe tinha proporcionado. Nada de melhor podia estar a acontecer. O coração da Gabriela batia que nem um cavalo de corrida. O Martinho estava a voltar aos velhos tempos.



Na terceira noite o bombom que tinham para experimentar era o do recheio de pimenta. Ficaram um pouco receosos, mas adoraram aquela combinação secreta da pimenta com o chocolate amargo. Ainda bem que no dia seguinte era feriado, porque a noite foi o clímax que a Gabriela tanto desejava. Tinha o Martinho de volta, doce, terno e muito amoroso como quando se começaram a amar.



Nessa noite, no pouco tempo que a Gabriela dormiu, sonhou com a velha dos olhos azuis cor do céu.

M.
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domingo, 22 de janeiro de 2012

ÁRVORE





Se eu pudesse escolher
Mulher não queria ser
Mas homem também não

Experimentava ser árvore

Ser casa dos passarinhos
Ser sombra no verão
Viver na floresta
Chegar bem alto no céu
Falar com as estrelas
Vergar com o peso da neve
Mas ficar sempre de pé
Atravessando séculos
E nunca mais morrer…

Uma árvore não tem vida
Tem uma eternidade para viver
Não envelhece, amadurece
E em cada primavera rejuvenesce.


M.
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