quinta-feira, 29 de novembro de 2012


MARIA ROUPINHA

Sete saias. Nada mais, nada menos, sete saias uma para cada dia da semana.
Assim anda vestida a Maria Roupinha.

Ninguém consegue adivinhar a sua idade. Nos dias de sol parece ter menos idade. Nos dias de chuva parece ter mais anos de vida. Quando o mar está cão, quem olha para ela parece que está na frente de uma doce avozinha.
Quem lhe pergunta a idade fica a saber o mesmo porque Maria Roupinha não sabe quando nasceu. Sabe que a sua mãe a pariu no mar, no chão da traineira e isso basta.

Os seus olhos são todo o mar. Tem ondas nos cabelos e andar de sereia.

Passeia pela cidade como se andasse sobre as ondas. Fala com este e aquele.
Fala com os pescadores quando pela aurora regressam da faina. Fala com os peixes que ainda moribundos lhe trazem novidades do mar. 

É uma mulher só.

A Nazaré tem a Maria Roupinha que por batismo se chama Maria da Nazaré mas que por ironia do destino todos lhe chamam Maria Roupinha.
Diz-se que Maria Roupinha ainda namora com D. Fuas Roupinho,  nobre cavaleiro que um dia andava à caça e se não fosse Maria da Nazaré teria caído ao mar do alto da falésia.

Maria Roupinha ainda hoje veste a saia onde o cavalo tropeçou e deixou
a marca da sua pata.

Também se diz que quando a onda mestra aparece quem anda a sarfar
vê Maria Roupinha dentro da onda do mar.

M.
www.bebebabel.com.pt



terça-feira, 13 de novembro de 2012





NÃO HÁ COINCIDÊNCIAS

Rafael gostava por demais daquela esplanada. Tudo caía ali, a comida no prato, mulheres bonitas que até tinham abraçado a mesma profissão que ele, mas com uma diferença, ele era jornalista sem jornal, trabalhava à tarefa.

Rafael conhecia alguns dos frequentadores do Cai no Prato e isso era bom, porque volta e meia lá caía um trabalhito que alguém não tinha tempo para fazer. Enquanto os outros saíam depois do almoço, Rafael prolongava a sua estadia pela tarde dentro. Gostava de olhar o rio e contemplar a outra margem.

Nesse dia, um dia cheio de sol, reparou que o indivíduo que estava na mesa da ponta, sem óculos de sol nem chapéu, também permanecia sentado e estranhamente não lia nenhum jornal nem tirava fotografias, parecia um ser apático.

Depois de ter relaxado um bom bocado, Rafael decidiu que já eram horas de ir escrever qualquer coisa para o seu recente trabalho e levantou-se em direção a casa. Poucos passos ainda o separavam do Cai no Prato quando o ser apático da esplanada se colocou ao seu lado e começou a meter conversa.

- Sei que vives com algumas dificuldades e aqui estou para te ajudar. (Disse o ser estranho).

- Oh amigo! As ajudas não caem assim do céu sem mais nem para quê! Se me quer vender alguma coisa desista, não perca o seu tempo, que eu estou falido.

- Chamo-me Gabriel e tenho um trabalho para te oferecer.

Rafael, abrandou o passo e olhou para o homem que de repente lhe pareceu um dos professores do curso de jornalismo. Parou no passeio e com um ar muito incrédulo disse:
 - Diz lá Gabriel qual é o trabalho que tens para mim.

- Não é bem um trabalho é mais um contrato que quero fazer contigo. Eu dou-te notícias em primeira-mão ou melhor, digo-te antecipadamente o que vai acontecer, percebes?

- Não, não percebo! Disse Rafael.

- Digo-te, em primeira-mão, que amanhã por volta das 15h00 vai cair um pescador no rio junto ao Cai no Prato.

- Ai sim? Vou esperar para ver! E já agora diz lá em que é que isso me ajuda?

- Amanhã encontramo-nos no mesmo sítio. Até amanhã e bons sonhos.  (Disse o homem estranho que se chama Gabriel).

Rafael já tinha almoçado. Ia levantar-se para se ir embora quando de repente se lembrou da conversa da véspera. Olhou para o relógio e faltavam sete minutos para as três horas da tarde. A curiosidade fez com que se deixasse ficar mais um pouco. Minutos depois, sentiu uma mão a pousar no seu ombro direito. Olhou. Era o Gabriel. Tão depressa olhou como ouviu um grito vindo do rio, socorro! Socorro! Socorro!
O pescador de um dos barcos de pesca à lampreia tinha acabado de cair.

Rafael ficou atónito e nos minutos seguintes um enorme medo apoderou-se da sua mente.

Gabriel afastou-se.

Rafael seguiu-o e em silencio caminharam até ao fim do cais.

- Já te demonstrei os meus poderes e se queres ser famoso vais publicar no jornal uma notícia em primeira-mão, disse Gabriel.

- Venha lá essa notícia, disse Rafael.

- No próximo dia treze, sexta-feira, vai chover em tudo quanto é sítio e à mesma hora no planeta terra
- Mesmo no deserto? Perguntou Rafael.

Até em todos os desertos à face da terra, respondeu Gabriel.

No sábado seguinte ao dia treze as televisões de todo o mundo noticiavam que tinha chovido em todo o planeta terra à mesma hora. Não havia memória de tal ter acontecido. O mundo estava estupefacto e o mais incrível é que o jornal de uma cidade chamada Caminha, tinha previsto com inigualável exatidão o acontecimento.

Rafael não cabia em si de tão contente que estava. A próxima notícia que vendesse ao jornal já seria muito mais cara.

Cada dia que passava, Rafael estava mais ansioso pela visita de Gabriel. Pensou numa maneira de o encontrar mas isso era impossível porque ele só aparecia quando queria. Uma coisa era certa, o local até aqui, era sempre o mesmo, o restaurante Cai no Prato. Religiosamente Rafael visitava o Cai no Prato todos os dias.

Sete dias depois, Gabriel apareceu no Cai no Prato a seguir ao almoço. Rafael perguntou-lhe onde é que ele morava mas Gabriel respondeu que não era de cá, vinha do além e sem mais explicações disse a Rafael que no primeiro dia do Outono o planeta terra ia ter um apagão global. Durante um minuto a terra ia ficar sem qualquer tipo de energia. Tudo o que é movido com energia elétrica vai parar. A hora determinada para o apagão será ao crepúsculo, hora local.

Na véspera desse dia o jornal da Cidade de Caminha publicou a notícia.

As repercussões foram bombásticas. A cidade de Caminha, o jornal e o jornalista já eram conhecidos mundialmente. O mundo questionava tais acontecimentos estranhos e paranormais.


Já fazia frio e mesmo em dias de muita chuva Rafael não deixava de ir ao Cai no Prato. No dia sete de Dezembro Gabriel fez a sua última aparição.

- Rafael, vais dizer ao mundo que no dia doze de Dezembro de dois mil e doze todo o ser humano que estiver acordado e a dormir vai ter a sua vida suspensa durante escassos sete segundos.
Rafael não queria acreditar no que estava a ouvir e tentou fazer mais perguntas a Gabriel mas este saiu do Cai no Prato e atravessou a rua. Nesse instante passou um autocarro e quando Rafael correu para o apanhar, já ele tinha desaparecido sem deixar rasto.

A notícia saiu no dia doze. O jornal esgotou logo pela manhã e o
Portal do jornal da Cidade de Caminha disponível na Internet bloqueou de tantas visitas.

Não havia como fugir ao acontecimento. Gabriel não desvendou a hora com receio de gerar um pânico global mas ele sabia que quem acreditava na profecia não sentiria medo algum.

No dia seguinte a notícia mais uma vez correu mundo. Todos os jornalistas saíram para a rua para entrevistar as pessoas. Estavam cheios de curiosidade para ouvirem os relatos sobre a experiência vivida por cada um.
Será que todos tinham passado pela mesma experiência?

Todos os seres humanos, mas todos, estavam mudados, só conseguiam dizer aos jornalistas que pelo que viveram naqueles segundos não queriam mais guerra à face da terra!

M.
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