A VARANDA
Amaro zangou-se com os amigos e por isso já não
passava as tardes a jogar cartas debaixo da frondosa tília do jardim. Contar
pontos e dar as cartas, era coisa que lhe fazia lembrar o emprego que teve como
caixa no banco, a contar notas e a distribuir dinheiro, coisa que nunca lhe deu
grande entusiasmo.
Andou uns dias desorientado, sem saber bem o que fazer,
até que se sentou na cadeira da sua varanda do segundo esquerdo na Praça da Liberdade.
Olhava para os prédios, olhava para os carros, olhava para as pessoas, olhava para
as pedras da rua à procura de uma ideia. Levantava a cabeça, olhava para a
nesga do céu e nada. Seguia os pássaros e nada. Ficou assim alguns dias,
melancólico, até que o seu entusiasmo esmoreceu e já não procurava nada, só
olhava para o chão. A movimentada paragem de autocarros que estava debaixo da
sua varanda deu-lhe a ideia! Ali não se corria, parava-se e esperava-se. Uma
espera em trânsito para outro lugar, um emprego, a casa, um encontro, uma
viagem, quem sabe? Assim como na pesca, não se corre, fica-se parado no mesmo
sítio, horas a fio, a olhar o pensamento.
Amaro, comprou uma cana de pesca. Sentia-se feliz porque
ia realizar o seu antigo sonho de menino. Arrumou a cana na varanda e como
chovia, sentou-se. Choveu no dia seguinte. O tempo não ajudava e Amaro não
pescava.
Resolveu
experimentar a cana mesmo ali, na varanda. Lançou a linha. Para seu grande
espanto e admiração quando puxou vinha peixe no anzol! Amaro, olhou e viu um
beijo muito molhado que ainda pingava. Tirou o beijo do anzol e guardou-o no
cesto de pesca. Curioso, voltou a lançar a cana. Puxou e agarrado ao anzol
vinha um angustiado suspiro. Colocou o suspiro junto do beijo molhado. Lançou a
cana. Não era preciso esperar muito para sentir o peso da pescaria. Desta vez
vinha mais pesada. No anzol vinha uma conversa. Amaro, com muito jeitinho lá
tirou a conversa e ficou deliciado a ouvir aquelas promessas de amor, entre
dois namorados. Melhor que peixe! Que divertido que é! Amanhã, vou levantar-me
mais cedo, para ver se a pescaria matinal é mais divertida, pensou o Amaro.
Manhã cedo lá estava ele de cana em punho na sua
varanda. Pescou muito sono, algumas preocupações, angústias, mau humor, atrasos
e muitas outras coisas de que não gostou. Pescar só à tarde pensou o Amaro,
porque de manhã o peixe anda a dormir ou muito mal disposto.
Depois do almoço lá estava o Amaro na pesca. Lançou a
linha e veio um goraz de pinta. Olá, um peixe, exclamou! Este não vai para o
cesto, vai para a barriga do Félix. Lançou a cana mais uma vez. Veio um sonho
acordado do rapaz que queria namorar a linda miúda que viaja no mesmo
autocarro. Repetiu o gesto, mais uma vez, e no anzol veio um abraço muito
rechonchudo. Lançou mais uma vez a cana e veio um capachinho. Caramba, descobri
a careca de alguém, mas que chatice. Isto não vai para o cesto! Rapidamente
tirou o peixe do anzol e devolveu-o logo ali como quem não quer a coisa, à
espera que o vento levasse o capachinho para o sítio certo. Parou. O mar já não
dava coisa de jeito. Amanhã será melhor, pensou o Amaro.
Amaro, pescou dias a fio e o cesto do peixe estava
cheio a transbordar de emoções, de bons e maus sentimentos, de aflições, de
sonhos, de amores, de encontros e desencontros, enfim, de tudo o que aflige e
de tudo o que faz feliz o ser humano. O destino de tudo aquilo só podia ser um.
Amaro, meteu os pés ao caminho e deitou tudo o que levava no cesto ao mar.
Meses depois, aquela paragem de autocarro debaixo da
sua varanda era notícia que corria de boca em boca. As pessoas começaram a
falar umas com as outras e comentavam à boca cheia, que os seus problemas,
dilemas, aflições e tudo o mais que as
preocupavam desapareciam por artes mágicas.
A felicidade pairava no ar e o autocarro andava sempre
a abarrotar de gente.
M.
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