segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Requiem d-moll KV 626



A rapariga, com um andar felino, percorria os profundos corredores desertos,  silenciosa e delicadamente. Repentinamente, junto à saída de emergência para as traseiras na porta leste, tropeçou numa coisa escura e roliça que quase a atirava ao chão. Retomou o equilíbrio e tentou identificar o inesperado obstáculo, que, para seu espanto, já lá não estava. Intrigada, olhou à sua volta e descobriu no virar da esquina, um olho luminoso que a fitava fixamente. Foi-se aproximando lentamente e exclamou:

- Um bichano por aqui? Sabes que me pregaste um susto de morte? Seu safado! – resmungou ela, meio séria, meio a rir. E perguntou:

- Como te chamas?
- Miau…miau ….miau … - respondeu o gato muito seguro de si.  - Eu não tenho nome, sou o gato sem nome, ou melhor, a gata sem nome. Ouviste bem? G A T A!

- Ok, ok, já percebi. Mas que faz uma gata sem nome neste corredor?

- Ora essa! Não faço nada, estou só a passear.

- Pois é,  gata sem nome, mas vais ter de ir de requitó para a rua, porque aqui não podes ficar. E já agora, por onde é que tu entraste?

- Isso não é da tua conta! Conheces os cantos todos à casa, mas ainda te escapam alguns buracos. Descansa, que ainda nos vamos encontrar mais vezes. Miau…

E de repente, tal como apareceu, desapareceu.

A Sofia ficou divertida com esta cena tão inesperada e lá continuou a sua ronda. Com um leve sorriso nos lábios, percorreu o edifício que já se encontrava fechado ao público. Ia caminhando e pensava na enigmática conversa que teve com o bichano das quatro patas, que era uma gata já bem adulta.

Passados uns dias,  a Sofia já tinha esquecido o encontro da gata, quando no corredor silencioso ouviu um miado. Parou, olhou para trás e lá estava a gata sem nome.

- Olá. Outra vez por aqui? Já te disse que não podes frequentar esta casa? Vais ter de sair, minha linda bichana.

- Para tua informação, ficas a saber que já moro aqui. Cansei de ser gata de rua e desempregada. Agora tenho uma ocupação muito importante. Miau…

- Pois, pois. Eu, que sou licenciada em História, ando aqui a fazer vigilância e tu, gata da rua, vens dizer-me que tens uma ocupação muito importante?!

- Cada um é importante à sua maneira. Eu digo-te que ainda vou ser famosa e vais ouvir falar de mim. Miau…

E com o rabo levantado, a gata sem nome, desinteressada da conversa afastou-se suavemente, calcando com as suas delicadas patas aquele chão de mármore  que lhe era tão macio e confortável.

Sofia ainda soltou algumas palavras mas que por falta de resposta caíram no chão, sem o menor ruído.

No dia seguinte, a gata sem nome, aparece em frente da Sofia saída do corredor do lado direito e parou mesmo aos seus pés.

- Terceira vez! É a terceira vez que te vejo. – Contabilizou Sofia, desportivamente.

- Sim, sim. Vamos ter uma conversa muito séria. Senta-te naquele sofá e ouve-me com atenção. Miau…

A Sofia obedeceu  às ordens da gata sem nome e sentou-se.

- Tens de ser breve pois tu sabes que as minhas rondas são cronometradas e não posso quebrar o esquema senão sou despedida.

- Vou ser breve. Não contes a ninguém, mas se calhar ainda vais ver mais gatos por aqui.
É um segredo entre nós e como já sei que gostas de gatos, não vais estragar os meus planos. Eles sabem quais os caminhos que podem percorrer e a que horas, por isso não te vamos criar problemas e quando formos famosos, tu vais sentir muito orgulho em nos ter ajudado. Miau…

E como de costume, a gata sem nome desaparecia de rabo no ar, sem deixar rasto do seu destino.



Era lá que tudo se passava.
Na cave, junto às máquinas do ar condicionado, havia um grande espaço onde estavam, em jeito de arrumos, alguns objectos tais como escadas, secretárias, cadeiras, bancos, etc. Os gatos já se tinham assenhorado daquele espaço e adoravam aquele quentinho que saía da máquina do ar.

A gata sem nome tinha reunido ali uma trupe de parceiros, vindos das ruas e das ilhas circundantes. Todos os gatos das redondezas que ela conhecia tinham sido convidados. Os filhos dela, os netos, os primos, os amigos, todos os que sabiam cantar, estavam lá. A gata sem nome, porque gato de rua não tem direito a nome, mas também não precisa, estava muito empenhada na ideia que tinha tido e que lhe estava a dar água pelos bigodes porque aqueles vadios peludos ainda não tinham apanhado bem a ideia. A ideia andava no ar, mas ainda não lhes tinha entrado bem no pelo.  Despreocupados, diziam uns para os outros:

-  Temos de virar cantores de música clássica! – Disse a gata tigrada da Rotunda da Boavista.
-  Foi essa a tarefa que a gata sem nome nos atribuiu, em troca de abrigo seguro e comida boa. – Confirmou o gato amarelo sem rabo.

- Temos de afinar a garganta e cantar bem atinados, nada de desgarradas. – Cantarolou o juvenil siamês.
- Pensando bem até que é uma boa ideia. Nada como experimentar. - Dizia o mais novato e traquinas lá do sítio.

Meteram patas à obra e todos os dias ensaiavam. Uns, nos degraus das escadas, outros, nas cadeiras, outros nas secretárias, todos juntinhos em forma de coro. A gata sem nome, que já tinha fato de maestrina por natureza, ficava em frente da trupe a dar as suas dicas seguindo a partitura.

Começaram por ensaiar coisa simples, que ela tinha encontrado no arquivo mas o seu objectivo era bem maior. Clássicos! Eram os clássicos que a fascinavam!

Trabalharam muito e com muito entusiasmo de gato. No fim de alguns meses o resultado estava à vista. Os peludos todos tinham as vozes bem afinadas e dentro do tom.

Uma noite o director artístico da Casa da Música resolveu ficar a trabalhar até mais tarde. Andava aflito atrás de um trabalho que misteriosamente lhe tinha desaparecido.  Lembrou-se que talvez tivesse ido nalguma gaveta da sua secretária velha que foi arrumada na cave. Para não ter de o repetir, lá foi ele fazer a busca.

Ia descendo as escadas e ouvia um coro a cantar. Aproximava-se cada vez mais e o  coro ouvia-se cada vez mais nítido. Entrou nos arrumos e para seu grande espanto e maior surpresa viu o imprevisto. O coro de gatos a cantar o Kyrie, do Requiem d-moll KV 626 de Wolfgang Amadeus Mozart. Um estrondo, em versão miau!

O director soltou um miau de espanto e beliscou-se no braço para ver se estava bem acordado. De boca aberta continuou a ouvir o coro a cantar o Confutatis, seguindo-se a Lacrimosa,  Sanctus e Agnus Dei.

- Soberbo, sublime! Bravo! – exclamou o director em êxtase, batendo sonoras palmas.

Cumprimentou a maestrina e não mais parava de lhe tecer elogios pelo magnífico trabalho que estava à mostra.

A maestrina, orgulhosa, de bigodes espetados, com o rabo todo no ar, lambeu a mão do director em jeito de agradecimento e disse:

- Senhor director, tenho um pedido a fazer-lhe. Quero dar um concerto na sala Guilhermina Suggia, com a orquestra residente.

- Muito bem, disse o director. Vou reunir com o meu grupo de trabalho e depois darei a minha resposta.

A decisão estava longe de ser unânime. As mudanças são sempre difíceis e a orquestra não estava de acordo, recusou mesmo a proposta. Nos corredores, os músicos comentavam à boca cheia que o Sr. Director tinha endoidado.

O director não hesitou e ofereceu a sala mais pequena para o concerto bem como uma boa gravação da parte instrumental da obra. Organizou o concerto inaugural, convidou e imprensa e um grupo de amigos.

Bom, o sucesso estava garantido a avaliar pela primeira impressão. A imprensa fartou-se de dizer mil maravilhas e os críticos de arte também. Daí até ao sucesso foi um miau.

A sala Guilhermina Suggia ficava esgotada todas as noites e o público não se cansava de bater palmas no fim de tão grandioso espectáculo. Parte do Requiem de Mozart, ali, magnificamente  interpretado pela gataria. Um assombro! Um espanto!

Se a Casa da Música já era famosa pelo seu arrojado edifício e conhecida pela diversidade e qualidade dos seus programas ficou ainda mais famosa mundialmente. Eram organizadas excursões no estrangeiro para trazer  espectadores a Portugal, que também ficou famoso pelo coro dos gatos.

Estes, decidiram em reunião de cave, que de todo o dinheiro apurado, que não era pouco,  5% era para criar uma fundação de ajuda a gatos de rua gerida por eles mesmos.  A grande fatia do bolo, 95%, era entregue generosamente ao governo para nos livrar desta sarnenta e tinhosa crise.




2 comentários:

  1. Miau miau miau. Miau, miau miau miau. Miau! Miau miau miau miau miau; miau miau miau.
    Miau!
    Miau miau miau miau miau miau miau, miau miau miau miau miau miau.
    Miau miau miau miau o passos mi##$$$&&%$#", miau, miau, miau, a troika mi)/&%$#$%&, miau miau miau miau.
    Miau miau miau miau miau miau miau, miau miau miau miau miau miau.
    Miau, miau, Miau miau miau miau miau miau miau, miau miau miau miau miau miau.Miau miau miau miau miau miau miau, miau miau miau miau miau miau.Miau miau miau miau miau miau miau, miau miau miau miau miau miau.Miau miau miau miau miau miau miau, miau miau miau miau miau miau.
    Beijos.
    Do Ré Mi Fá Só Lá Si

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  2. Miau Majo

    Miauuu-sol miauuu-do, miauuu-mi
    miauuu-la miauuu-do miauuu-fa
    miauuu-sol miauuu-si miauuu-re
    miauuuuuuu miiiiiiiauuuuuuu miaaaaaaau
    xis miaus
    M.

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